Desculpe o transtorno, preciso falar de alguém
Não nos conhecemos no jazz, ou numa balada; essas são coisas
bem bizarras pra nossa realidade. A primeira vez que o vi foi em quadra, e isso
não é novidade pra ninguém. Namorávamos outras pessoas, não fomos apresentados
nem por nossos amigos em comum, que olha, são inúmeros.
Anos depois ele entrou na minha vida pelo privado do
facebook, trocamos números, e ainda, por incrível que pareça, em uma cidade
interiorana, trocávamos e-mails. Obviamente nos víamos porque essa cidade é um
ovo! Não senti as borboletas no estomago, não marcamos de sair, apenas passamos
a nos cumprimentar, pois naquela situação, deixávamos de ser estranhos.
A proximidade veio no carnaval enquanto eu beijava outras
bocas e ele se embebedava de caju açu. Uma semana depois ele estava em casa. Eu
estava de pijama, jogando algo que não parece ser importante pra lembrar e ele
fez a barba, o que foi um erro terrível. Nos beijamos. Não teve musiquinha de
fundo, não foi romântico, e na verdade, foi bem sem graça; mas decidimos
continuar nos encontrando. Ele tinha 38 e eu 20. Três meses depois estávamos
morando juntos.
Diferente do “amor de Gregório” não tivemos trilha sonora,
fotos de profissionais e não, definitivamente não fizemos filme, pois seria a
história mais chata que alguém poderia comprar. Ele não me ensinou nada além
das regras de baseball, jogo esse que sigo até hoje sem entender. Escrevi alguns
muitos textos pra ele, como este, desenhei-o de todas as formas possíveis, e se
alguém abre meu álbum ainda se depara com inúmeros caras barbudos e/ou
jogadores de basquete. Não fizemos nenhuma receita juntos, nem frequentávamos restaurantes;
a única vez que tentei algo diferente na cozinha foi um bolo de maçã sem
farinha, sem glúten e sem aquela porra toda em respeito a sua dieta e foi a
pior cosia que comemos. Quando a noite não acabava na pizza sebosa de vinte
contos, a gente ia no dogão que fedia a sovaco, porque lá tem a melhor vitamina
de abacate da cidade.
Ao invés de firulas românticas inventávamos apelidos
bizarros um para o outro, e nosso hobby não tinha nada de cultural, apenas dormíamos
–pra sempre- e era o que fazíamos de melhor juntos. Fazíamos Gregório, pois
assim como o seu relacionamento, o meu também teve fim. E como não temos filme
sobre nós dois, e quase nem temos fotos juntos, as memorias vão se perdendo,
não planejávamos o almoço, que dirá a vida; não gerei nenhum filho. Mas esse
era pra ser mais um dos inúmeros textos de amor que escrevo e não dedico a ele;
era amor observar ele dormir e contar todas as sardas do seu nariz, foi amor
quando aprendi a dormir abraçada com ele, foi amor também quando escondi minha
frustração e engoli o choro para comemorar suas vitorias. Virou amor quando eu
não conseguia mais dormir enquanto ele não chegasse. Foi amor quando eu decidi
assistir novamente três temporadas inteiras -sem dar spoilers- de walking dead para acompanharmos juntos a
quarta.
Foi amor até deixar de ser; para ele.
Hoje é saudade.
E saudade ou a gente mata ou ela mata a gente.
Baseado no texto: Desculpe o transtorno, preciso falar de Clarisse
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